Proud Mary, um clássico soul escrito como rock

A emoção do teaser da HBO para o documentário Tina, que estréia em março de 2021, tem uma razão. A história da cantora de quase 82 anos é absolutamente inspiradora, mas são os acordes de sua canção mais famosa – Proud Mary – que detonam as lágrimas. Quando Tina Turner vai dizendo que se recusa a ceder, ouvimos o Big wheel keep on turning / Proud Mary keep on burning/ rolling down the river do refrão clássico. Desafia os mais céticos a evitar as lágrimas.

A canção de 1969 nasceu em uma banda de rock, passou pelas mãos do produtor Phil Spector, estava no repertório de Elvis Presley, foi cantada por Beyoncé, mas é primordialmente associada à Tina. Uma trajetória digna da orgulhosa Mary do título.

Para começar é importante ressaltar duas coisas: Proud Mary não foi composta por ou para Ike e Tina Turner nem é uma canção sobre uma mulher que existiu. Com isso em mente, temos que voltar no tempo, nos anos 1960s, nos Estados Unidos. Um período culturalmente turbulento e com a Guerra do Vietnã dividindo opiniões e mandando jovens americanos para uma zona de conflito que traumatizou gerações. Foi neste cenário que John Fogerty, ainda servindo ao Exército, escreveu uma canção que viria a ser um dos seus maiores clássicos.

John Fogerty, na música americana, está no mesmo patamar lendário de Tina Turner. Além de Proud Mary, é dele canções como Have You Ever Seen The Rain, que gravou com sua banda Creedence Clearwater Revival. O gênero rock country, tipicamente americano, fez da banda um relativo sucesso.

Em 1968, John ainda receava a possibilidade de ser convocado para lutar no Vietnã a qualquer momento. Em seu caderno de notas, escrevia as idéias que vinham soltas ou que ouvia. Proud Mary, Mary orgulhosa, veio assim, como uma frase solta que achou que tinha bom som. Depois veio a possibilidade de que Mary fosse uma mulher trabalhadora pobre, que era doméstica em uma casa de ricos, mas que todos os dias tinha que voltar para a realidade de sua vida simples. A embarcação que desce o Mississipi (o rio em que rola a história), era apenas a imaginação de como seria o sul do país (ele é da Califórnia) e dos livros de Mark Twain que lia quando pequeno. Vendo o filme Maverick, veio a idéia de incorporar esse conceito da barca sulista na canção. Mais ainda, o cantor, fã de Beethoven, discordava da abertura do compositor para sua 5ª sinfonia e mudou o andamento para o que considerava mais sonoro. Embora tenha nascido como rock, a canção tinha veia gospel. Nascia assim o conceito para um dos maiores clássicos da música americana.

Quando recebeu os papéis que o dispensavam do Exército – livrando sua convocação para lutar – John Fogerty correu para o violão para comemorar e tocar. Em duas horas compôs Proud Mary, que foi gravada por sua banda, Creedence Clearwater Revival e passou a tocar em rádios. A frase de abertura Left a good job in the city, Working for The Man every night and day, And I never lost one minute of sleeping, Worrying ‘bout the way things might have been (Deixei um bom emprego na cidade, Trabalhando para o governo noite e dia
E eu nunca perdi um minuto de sono Me preocupando em como as coisas poderiam ter sido) refletem o momento em que John soube que tinha sido dispensado.

Solomon Burke, o “bispo do gospel”, ouviu e gostou, mas decidiu fazer a sua versão, ressaltando sua intenção original, que não ficou tão clara com a versão da banda. Foi aí que a história mudou completamente. Solomon mudou a cadência para fazer de Proud Mary um gospel. Foi essa versão, produzida por Phil Spector, que chegou à Ike Turner. Tina tinha escutado a versão rock original, sem se empolgar. Quando o gospel se destacou, as coisas mudaram. Phil Spector trabalhava com Solomon e os Turner, mas embora a ligação seja óbvia, ninguém confirma que ele tenha passado o conceito da mudança para o casal antes de Solomon fazer sucesso com a versão dele. O que se sabe é que Ike e Tina Turner usaram a idéia de Solomon para a versão deles, que é a mais famosa de todas.

A intensidade da interpretação de Tina, no entanto, foi o que destacou a mensagem de empoderamento que Proud Mary enaltece. O single foi lançado em 1971 e explodiu nas rádios e rapidamente virou um dos grandes sucessos do grupo. Quando Tina se separou de Ike, ela seguiu cantando a canção. Hoje, 50 anos depois, é mais associada a ela e sem dúvida, é um hino feminino.


7 comentários Adicione o seu

  1. Fernando Johnny disse:

    Discordo de ter sido influenciado por Solomon Burke já que na bio da Tina ela diz que Ike pirou quando ouviu a versão original do John e segundo ela na hora ele falou “Como esse branquelo conseguiu compor esta obra prima”

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    1. Oi Fernando, pode ser mas se ouvir a versão do Solomon, anterior à da Tina e do Ike, verá que ela é mais parecida. Mas entendo! Obrigada pelo comentário!

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    2. LEONARDO FERREIRA DO PRADO disse:

      A matéria querer desmerecer a canção original é típico do mainstreem.

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  2. Estou agora ouvindo as versões gospel… Dá perfeitamente para sentir a ENERGIA divulgada pela Tina Turner, tão característica dela. A versão com o Ike (como 2ª voz) retira o empoderamento da musica… A original é … morna? E olha que sou fã de carteirinha do Credecence

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  3. Flávio Allevato Ramalho disse:

    Olha @leonardo Ferreira do Prado, cada um tem a sua opinião (e eu respeito), mas o que diz é relativo. 1º artigo não desmerece, apenas insere o original no contexto.
    2º Sabe o chorinho TECO TECO? ADEMILDE FONSECA o interpretou conforme composto por Pereira Costa e Milton Vilela. Mas a Gal (ah ela: a GAL COSTA) reinterpretou e deu um banho de personalidade!!!
    Tanto que o lançamento anterior dela, pela Miriam Batucada foi apagado … sumiu. Bem parecido, né?

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